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Telessaúde e Medicina do Trabalho

Venho trazer algumas breves reflexões sobre a Lei 14.510/2022 – que autoriza a prática de telessaúde – e suas possíveis repercussões práticas na medicina do trabalho.

Logo depois que Projeto de Lei nº 1.998/20 (que deu origem à Lei 14.510) foi aprovado na Câmara dos Deputados – antes, portanto, da sanção presidencial – o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu nota dizendo que o projeto estaria em consonância com a Resolução CFM nº 2.314/22.

Vamos olhar mais de perto.

O art. 26-C traz uma regra, realmente, bem contundente sobre a liberdade e independência do médico para decidir sobre a utilização – ou não – da telessaúde:

Art. 26-C. Ao profissional de saúde são asseguradas a liberdade e a completa independência de decidir sobre a utilização ou não da telessaúde, inclusive com relação à primeira consulta, atendimento ou procedimento, e poderá indicar a utilização de atendimento presencial ou optar por ele, sempre que entender necessário.

Resumidamente, há liberdade e independência, mas ela – de fato – não é completa, já que o paciente pode recursar o atendimento por telessaúde. Veja o que diz o art. 26-A.

Art. 26-A. A telessaúde abrange a prestação remota de serviços relacionados a todas as profissões da área da saúde regulamentadas pelos órgãos competentes do Poder Executivo federal e obedecerá aos seguintes princípios: (…) III – direito de recusa ao atendimento na modalidade telessaúde, com a garantia do atendimento presencial sempre que solicitado;

Além disso, é importante que se saiba que – tanto a Lei, quanto a Resolução – exigem termo de consentimento livre e esclarecido.

Art. 15, da Resolução CFM nº 2.314/2022 – O paciente ou seu representante legal deverá autorizar o atendimento por telemedicina e a transmissão das suas imagens e dados por meio de (termo de concordância e autorização) consentimento, livre e esclarecido, enviado por meios eletrônicos ou de gravação de leitura do texto com a concordância, devendo fazer parte do SRES do paciente.

Art. 26-G. A prática da telessaúde deve seguir as seguintes determinações:

I – ser realizada por consentimento livre e esclarecido do paciente, ou de seu representante legal, e sob responsabilidade do profissional de saúde;

Vamos em frente.

Particularmente, não vejo o art. 26-D com potencial restritivo, porque ele se reduz a (1) normatização ética e diz que devem ser aplicados (2) os mesmos padrões éticos adotadas na modalidade presencial. Veja só.

Art. 26-D. Compete aos conselhos federais de fiscalização do exercício profissional a normatização ética relativa à prestação dos serviços previstos neste Título, aplicando-se os padrões normativos adotados para as modalidades de atendimento presencial, no que não colidirem com os preceitos desta Lei. 

Acredito que o grande problema, tecnicamente, seja o art. 26-F. A norma permite restrição ao serviço de telessaúde por ato normativo exarado, claro, por Conselhos profissionais.

Art. 26-F. O ato normativo que pretenda restringir a prestação de serviço de telessaúde deverá demonstrar a imprescindibilidade da medida para que sejam evitados danos à saúde dos pacientes.

A redação do dispositivo é quase um cheque em branco ao CFM (e aos demais conselhos). É uma norma, inclusive, que foi colocada ali por conta do lobby da bancada que, em grande medida, atende aos anseios do CFM.

Mas perceba que o artigo – apesar de admitir a restrição – exige um ônus argumentativo alto. Exige, em resumo, que seja demostrada (1) imprescindibilidade do atendimento presencial e (2) chance do atendimento por telemedicina gerar danos à saúde.

Vamos à medicina do trabalho, agora.

A Resolução do CFM sobre telemedicina também abriu a possibilidade de condicionamento do uso da telemedicina lá no finalzinho, especificamente no art. 20, veja a redação:

Art. 20. O CFM poderá emitir normas específicas para telemedicina em determinadas situações, procedimentos e/ou práticas médicas que necessitem de regulamentação própria.

Por essa razão, temos, hoje, a Resolução CFM n. 2.323/2022 que, expressamente, veda a prática de telemedicina no âmbito dos exames ocupacionais. Veja a redação.

Art. 6º É vedado ao médico que presta assistência ao trabalhador: I –Realizar exame médico ocupacional, com recursos de telemedicina, sem o exame presencial do trabalhador.

Diante de todo esse contexto, o que temos – hoje – é que continuaria, em tese, proibida a realização de exames ocupacionais por telemedicina.

Mas eu pergunto a vocês: será que existe (1) imprescindibilidade e (2) danos potenciais à saúde – em todo e qualquer caso – se o exame ocupacional se der por telemedicina?

É, provavelmente, nesse aspecto que irá pairar a discussão no Judiciário, se alguém pretender judicializar isso, um dia.

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Quem irá lhe atender

Dr. Leonardo Vasconcelos Guaurino é sócio fundador do VGV Advogados. Possui graduação em Direito pela UFRJ, é especialista em Direito Civil-Constitucional pela UERJ, Mestre em Direito Privado e Médico pela Universidade Autônoma de Lisboa, Mestre em Telemedicina e Telessaúde pela UERJ e Doutorando em Direito Privado e Médico pela Universidade Autônoma de Lisboa

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